sábado, 4 de outubro de 2008

Doce festa

Hoje é véspera de eleições, e por toda parte eu ouço críticas.
Alguém, no supermercado, diz que é melhor anular o voto a votar nesses que estão aí.
Outros reclamam da falta de propostas. Outros da falta de senso dos candidatos, dispostos a tudo para fazer-se notar. Outros, ainda, da repetição indefinida da propaganda eleitoral. Alguns se recusam a assistir qualquer coisa. Outros assistem como a um circo, com pipoca, refrigerante, prontos para rir.
Intelectuais torcem o nariz, donas de casa falam em altos brados, homens confessam não saber em quem votar. Nada presta, salvo para os militantes dos partidos políticos, cujo argumento principal é: me ajuda.
Mas eu, eu gosto de ver as bandeiras desfraldadas, os raps e as paródias da propaganda musicada, as idéias fora de propósito e a cara-de-pau de alguns candidatos. Gosto de ver a política explodindo nas ruas, com opiniões, mesmo fora de propósito e de senso, com porta-bandeiras inertes como postes, demonstrando claramente que estão ali só para ganhar um dinheirinho.
Eu gosto do ar de festa cívica que as eleições trazem consigo. Não é uma festa em honra da Pátria, como na Independência, é a festa da Pátria amada, idolatrada, salve, salve: estamos decidindo nossos destinos, diz a expressão de cada um, nas ruas, saindo da cabine de votação carregando o segredo de seu voto.
Eu gosto de sentir o pulsar o coração da democracia.
Gosto de ouvir a cidade dizer-se pela boca de muitos. Nada é diferente do que sempre foi, mas é sempre uma coisa nova inaugurando o seu dia, como disse João Cabral de Melo Neto. Intriga-me a sabedoria do voto, do rumo traçado por milhares ou milhões de mãos, indicando o futuro, agindo e reagindo de uma maneira intuitiva, mas sempre com poderosas razões movendo os dedos.
Sou daqueles que discordam de quem diz que o povo não sabe votar, que o povo é manipulado, que vai pela onda do marketing e da mídia, do voto comprado e coisa e tal. Isto porque eu já vi candidatos distribuírem dinheiro, cesta básica, remédios, óculos – e perderem fragorosamente eleições. Discordo de quem acha que o povo não sabe o que quer, que se ilude com falsas promessas. O povo sabe muito bem o que quer, e vota no sonho que tem. Só dormindo alguém sonha com o que não conhece e nunca viu.
Aprecio o estágio político em que estamos, eleição após eleição. Na primeira metade do século XX, os candidatos imprimiam e distribuíam suas cédulas de papel, situação e oposição eram obrigados a defender seus votos até com jagunços. Havia urna emprenhada, mapismo e roubo, puro e simples, de cédulas, para que não estivessem disponíveis para o eleitor. Na segunda metade do século XX, o regime era bipartidário e os candidatos de situação e oposição tinham que passar pelo crivo dos serviços secretos antes de poderem mostrar a cara ao povo. Não havia propaganda: o nome próprio (nada de apelidos), uma foto, um número, e estamos conversados.
A eleição era sem-graça, até porque, se a oposição tivesse votos demais, seria cassada.
Hoje, bicicletas sonoras circulam o dia todo, alto-falantes lembram fulano e cicrano, as carreatas e caminhadas assinalam as opções e nós – nós podemos criticar à vontade. Podemos dizer tudo o que nos vem à cabeça, podemos até elogiar se quisermos, podemos fazer propaganda e podemos não fazer nada.
A liberdade é doce e suave. A Pátria livre se enfeita de faixas, panfletos, cartazes, se enfeita sobretudo de vozes dissonantes, mas harmoniosamente democráticas.
E de repente sabemos que somos brasileiros, profundamente brasileiros.