segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O submundo da rede

O espaço virtual é, na fala emprestada a João Cabral de Mello Neto, uma coisa nova inaugurando o seu dia. O mundo ainda está fascinado por ele, ou, mais precisamente, pela revelação de si mesmo através dele. E como esse espaço repete o mundo, é uma coisa nova cheio de coisas velhas.
A diferença é que qualquer um pode ver qualquer uma dessas coisas velhíssimas, da pornografia e do crime até a inocência e a virtude. E a tentação de estar na vitrine para os bilhões de anônimos que compõem a humanidade é forte demais. Assim, as pessoas se revelam nas redes sociais, em nudez de corpo inteiro e, da forma mais imprudente possível, de alma inteira. Como em qualquer lugar desde que o mundo é mundo, colocam-se na mira de predadores.
Rudyard Kipling e Mia Couto escreveram sobre aldeias vítimas de tigres e leões comedores de carne humana. Ambos reportam a advertência da fera, o rugir de ameaça que precede o assalto. Boris Pasternak e Jack London falam das matilhas silenciosas de lobos à caça de homens na tundra ártica. Nestes predadores, a silhueta fugidia e os olhos brilhantes são o aviso. Mas, no espaço virtual, as feras ou as matilhas são humanas: não há aviso para o ataque.
Raymond Chandler descreve com precisão o submundo e Truman Capote vai mais além: encontra o raciocínio do criminoso. Mas a realidade crua descrita em Chandler e Capote tem os limites do concreto e das leis da física: ninguém passa através de paredes. No espaço virtual não há paredes. O que existe são conexões, nós e sistemas. Uma outra realidade, pois.
Ora, os predadores, principalmente os humanos, aprendem rápido. Eles criaram um submundo na rede, com a mais perigosa arma jamais inventada: os instrumentos de comunicação. A palavra, a imagem, o símbolo, aos quais foram adicionados as conexões e os nós. Eles não rugem e nem têm olhos brilhantes para avisar do ataque. Ao contrário, são sedutores.
Este submundo conta com uma rede de pedófilos de 300 mil pessoas, aproximadamente, segundo os dados revelados pela Polícia Federal. Uma rede de sites de pornografia da qual os dez mais visitados contabilizam dois bilhões de acessos mensais (uma visita para cada 4 habitantes do planeta), conforme o Lista10.org. Milhares e milhares de pequenos espaços virtuais – as comunidades – de apologia ao crime e à violência (topei com uma, no Rio, com mais de 30 mil adeptos). E conexões para o crime. Um submundo mais poderoso do que jamais foi qualquer um, em qualquer tempo e que ataca o tempo todo: um crime por hora, segundo a SaferNet Brasil (uma ONG voltada para o combate aos crimes virtuais). Nesse bolo está um terço das empresas brasileiras, todas vítimas de crimes virtuais.
Por isso é que me espanta a facilidade com que as pessoas se expõem nas redes virtuais. Fotos, idéias, sentimentos, hábitos, está tudo lá. Espanta-me também a facilidade com que pais põem filhos pequenos, ainda sem idade para qualquer julgamento, em contato com esse mundo. Crianças de seis anos com tablets e celulares conectados, sem supervisão: é como se estivessem brincando à beira de um precipício.
Não me entendam mal: eu entendo como um direito da criança usar computadores e ter acesso à rede. Mas sempre sob controle, ou de bloqueadores, ou de supervisão direta. A infância é inocente demais e, por isso, a criança é a presa preferida dos predadores, tanto os tigres da Índia, como os leões de Moçambique ou os criminosos humanos.