quinta-feira, 26 de julho de 2007

Questão de gênero

A palavra esporte é do gênero masculino. Talvez seja por isso que apresentadores de tevê e locutores de rádio lidem tão mal com o esporte feminino.

Porque ninguém chama o time de vôlei ou de futebol masculinos de “meninos do Brasil”, mas as dedicadas atletas são chamadas de “meninas”?

Alguém me diz que é uma expressão carinhosa. Mas trai um machismo danado, justo por pretender ser carinhoso. É como se dissessem: deixem elas brincarem, que o assunto sério está deste lado daqui...

Galvão Bueno foi além. Quando Marta transformou em gol um pênalti, disse que ela “cobrou como gente grande”. Peste! Parece que ele não entende que, quanto menos força se tem, mas inteligente e técnico se tem que ser...

Ele – e creio que milhares e milhares de pessoas – não conseguem entender que os gêneros são apenas diferentes, não são superiores um ao outro. As diferenças fisiológicas não impedem uma leoa de caçar, assim como não impedem as leonas de dominar o hóquei sobre grama. Dizem-me que os marcadores de alcance e distância respeitam os gêneros, mas a maioria das campeãs mundiais de hoje corre, salta e arremessa mais longe que a grande maioria dos atletas homens. Uma mulher poderá correr, saltar ou arremessar mais longe que um homem preparado nas mesmas condições? Os técnicos em esporte dizem que não, porque há uma diferença de força que não vai ser superada. Mas essa diferença de força já está sendo superada na relação entre as melhores e aqueles homens que são só bons atletas. E quem vai duvidar da feminilidade da escultural Maggi?

Há porém uma coisa que me incomoda: os homens vêm se refugiando na força, à medida em que as mulheres avançam nos esportes. O vôlei masculino é só pancada; o futebol masculino é só trombada. Chamam isso de futebol-força em oposição ao futebol-arte. Este – leio no blog do Juca Kfouri – fica para as mulheres... É triste que os homens abram mão da arte.

Graças a Deus que Juarez, aquele armário que ganhou a medalha de ouro do caratê, não disfarçou o choro no pódio. As lágrimas masculinas - de Juarez, de Caio, de Oyama – são muito benvindas. Mostram a superação de um dos aspectos do machismo, a figura do homem durão, mas é só um aspecto. A postura de Galvão Bueno mostra que será necessário muito mais para ultrapassar essa fase.

E já que estou falando de gênero: notaram que os gays estão mais assumidos neste Pan? Nunca eles se revelaram tão abertamente. Sinal que a sociedade já não os recusa como antes. E que muito em breve talvez tenhamos o pan-gay. Quais serão as medidas de alcance e distância para eles?

terça-feira, 24 de julho de 2007

A verdade à tona

Ouço o presidente da República dizer que “a verdade virá à tona”, após a investigação que está sendo feita sobre o acidente da TAM. E vejo o pai do co-piloto morto, pedindo que a morte de tantos não seja inútil, mas que sirva para evitar outras mortes.

Este pai sabe: só o conhecimento resgata a dor, dá-lhe um sentido. Porque permite que o insuportável se torne um degrau a mais na evolução humana, e, por isso, consola.

E tem razão em outra coisa que disse: não há apenas um culpado, mas várias responsabilidades, porque de muitas coisas depende uma viagem aérea. De muitas mãos, de muitos cérebros e de muitas máquinas. Uma verdade simples e óbvia, não?

Como essa, algumas outras verdades estão à tona, ou melhor, flutuando no ar. Pelo jeito, Lula, que costuma não saber o que fazem seus auxiliares mais próximos, agora também não vê o que acontece diante do seu nariz. Ele não vê, por exemplo, que o finca-pé com os controladores de vôo não leva a lugar nenhum, e poderia recorrer a toda a sua experiência sindical para ver isso. Os controladores têm algumas razões e alguns excessos; é preciso separar o joio do trigo e, de uma vez por todas, ter reservas em elementos estratégicos – inclusive controladores de vôo.

Ele não vê que, menos que saber quem teve ou não culpa nos acidentes aéreos, o que se quer é respeito no tráfego aéreo. Entre outras coisas, não existe razão alguma para que metade do país tenha que ir a São Paulo pegar um avião para o exterior, ou que todo turista que use a aviação comercial seja obrigado a entrar por São Paulo ou pelo Rio. Não é necessário nenhum investimento novo para resolver isso. Basta ter capacidade de negociação e autoridade com as companhias aéreas. E também, ver o problema onde ele está.

Há cinco anos se discute o portão aéreo Norte – o hub amazônico, a ser definido entre Belém e Manaus. As exposições saem de uma gaveta para outra. O portão Nordeste, em Natal, está totalmente esvaziado: as companhias aéreas não dão a mínima para a desconcentração de vôos, e quem vem da Europa e quer ir para Salvador ou Fortaleza, tem que ir mesmo por São Paulo ou Rio.

Lula também não vê que a ponte aérea Rio/São Paulo, a ser operada entre Congonhas e Santos Dumont, foi dimensionada para aviões com menos de duzentos lugares. A permissão de uso dos grandes aviões não é de seu governo. Mas a bagunça originada pela liberação geral de uso desses dois aeroportos, é. Congonhas é usado como se Guarulhos fosse. O resultado está aí.

Não é preciso esperar que a verdade venha à tona, porque ela está dissecada há muito tempo, em relatórios e advertências, algumas vindas do exterior. Mas, para Lula, será a Polícia Federal quem vai descobrir as verdades. Aliás, eu e a maioria dos brasileiros não sabíamos que a Polícia Federal entende de política aeroportuária, de aviões e de acidentes aéreos...

Na segunda-feira passada, aviões que saíra de Nova Iorque para o Brasil, voltaram para os Estados Unidos, porque o controle aéreo saiu do ar. E Lula continua cego: o governo diz que foi um sargento que errou, só isso!

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O velho leão

De uma coisa ninguém pode reclamar de Antonio Carlos Magalhães: dificilmente algum governante terá lutado tanto pelo seu Estado como ele. Ele soube, como poucos, aproveitar as oportunidades e usar todo o enorme poder que conquistou e cultivou para desenvolver a Bahia.

Mas as últimas eleições encerraram o ciclo político das Diretas, Já!, que se iniciou com a distensão de Geisel, teve seu clímax com Fernando Henrique e o real, e terminou com o afastamento de quase todas as lideranças que participaram do processo constituinte.

Por isso é que a morte de ACM anuncia também o ocaso de Lula e da esquerda clássica brasileira. O velho leão morto sinaliza o fim das garras e dentes de seus adversários. A esquerda está numa encruzilhada: ou segue a velha estrada liberal, com pinceladas rosadas aqui e ali, ou entra na trilha da contestação radical. A pequena burguesia, tradicional fornecedora de militantes, prefere hoje competir no mercado a enfrentar desafios políticos. E a multidão dos mais pobres quer é dinheiro, mesmo. Ou, no mínimo, acesso a bens e serviços gratuitos. Foi para isso que elegeu, em todo o país, políticos populistas. Os campeões de votos foram os que baseiam sua atuação em donativos de diversos matizes, bolsas inclusive – e é por isso que vários parlamentares com uma folha corrida de suspeitas foram eleitos.

Esse fim de ciclo responde por boa parte da inquietação brasileira – transições são sempre angustiantes – e também pelo processo de aburguesamento do PT, hoje com a militância esfacelada, e a cada dia mais distante dos marcadores políticos que o fizeram crescer. Ao término do governo Lula o PT será apenas mais um partido político. E se não tomar cuidado, quatro anos depois desse término, no poder ou na oposição, será uma tenda monstruosa, como é hoje o PMDB, cuja proposta política é apenas uma: ser governo, a qualquer preço.

O velho leão não ia por aí: ele tinha proposta, sabia o que queria, tinha marcadores ideológicos tão claros de direita que passou a ser um símbolo dela. Símbolo assumido, diga-se de passagem. Hoje o chamam de conservador. Ele se auto-denominava liberal, defendia abertamente o capitalismo e, com todas as forças de sua alma, a Bahia. Não hesitava em usar a força, o que lhe garantiu o apelido de “Toninho Malvadeza”. E jamais cedeu a alianças de ocasião: ele simplesmente não comia no mesmo prato político da esquerda.

A direita nunca tem encruzilhadas, mas terá que achar um líder novo, ou, no mínimo, alguém que a simbolize. Esta pessoa terá que ter outro perfil: a truculência é coisa do passado, e a força é um recurso quase proibido. E terá como missão principal orientar os representantes da direita no próximo processo eleitoral.

A herança de ACM não está só na Bahia.