Ronaldo Barata morreu nesta semana, de câncer – o que jamais esperou que acontecesse, porque foi ameaçado de morte durante grande parte de sua vida, depois de ter passado pelas prisões da ditadura.
Ele nunca fez escândalo disso. Nunca pediu escolta ou segurança, embora tivesse passado grande parte de sua vida como autoridade pública. Ronaldo chefiou o antigo Getrat (o poderoso Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins, cujos poderes eram quase absolutos à época, pouco depois do final da ditadura e sem praticamente sem legislação específica), o Incra e o Iterpa. Ele lutava por uma reforma agrária justa. Assentou milhares de migrantes que encontraram futuro no Pará. Também nunca fez escândalo disso.
A precariedade de sua vida, porém, o deixou com um futuro incerto: ele vivia o presente, seu horizonte era restrito. Por conta disso, e por conta também do próprio temperamento, não se preocupava com garantir-se velhice tranquila e segura. Deixava seus anos de idoso, se lá chegasse, por conta dos amigos – que, de fato, não lhe faltaram na hora mais dura – e do acaso.
Entrou e saiu honrado de todos os órgãos de controle fundiário que dirigiu. Entrou e saiu militando: primeiro, no clandestino Partido Comunista Brasileiro, depois, ao concluir que era preciso mais que bandeiras e agitação para construir uma reforma agrária, na social-democracia do PSDB. Tentou mandatos, mas sua bandeira única restringiu-lhe os votos. Seu mote era a terra produtiva resgatando a miséria. Não é uma bandeira simpática para o eleitorado cada vez mais urbano.
Pois bem. A uma semana de sua morte, precisando urgentemente de uma transfusão, vamos encontrar Ronaldo Barata semi-consciente, bloqueado à porta de um hospital público. Ele continuava pobre como quando começou a carreira pública; não tinha como pagar um plano de saúde, nem dinheiro para se socorrer na rede privada.
Foram horas de negociação e pressão de seus amigos, liderados por Simão Jatene, com Ronaldo na porta do hospital, para que finalmente o Ophyr Loyola o recebesse, e ele passasse os seus últimos dias medicado.
Quero crer que a situação na porta do hospital se devesse à crise por que passa o Ophyr Loyola, e não a outras injunções. Quero acreditar nisso. Outra coisa seria cruel demais.
Muita gente não gostava de Ronaldo. Alguns tinham-lhe ódio mortal. Mas mesmo essas pessoas, cujos interesses ele feriu em algum momento de sua infindável luta, hão de reconhecer que sobre ele jamais pesou sequer a sombra de suspeita por atos escusos. Apesar de lidar com o nervo exposto da questão fundiária. Apesar de ser um negociador, um mediador.
Que diferença!
Ao mesmo tempo, que resposta para os que não acreditam que se possa fazer política e administração pública com decência e honradez!
E com alegria, porque Ronaldo era um homem alegre, que as dificuldades não abatiam – as fotos mostrando sua cabeça branca, nas passeatas repletas de jovens, são uma prova disso.
Hoje, Ronaldo descansa em paz. A consciência não lhe pesa o espírito.
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3 comentários:
Cara Ana,
Em primeiro lugar espero que não se assuste com o fato de estar usando o Blogger do Ronaldo.
Fui companheira do Ronaldo durante os últimos quase treze anos de vida dele.
Ele costumava todas as tardes entrar em vários blogs, um dos quais era o seu, atitude sempre por mim acompanhada, posto que ele não era muito conhecedor da utilização de um computador.
Gostaria de esclarecer que houve sim uma certa dificuldade em conseguir interná-lo no Ophir Loyola, e tenho plena certeza que foi em virtude da "falência" do sistema de saúde, não somente no Estado como em todo Brasil (fato que confirmamos todos os dias nos noticiários).
Acredito, talvez inocentemente ou quem sabe por conhecer um pouco do verdadeiro Ronaldo, que não eram muitas as pessoas que nutriam algum sentimento de mágoa contra meu marido.
Por sua natureza de grande mediador sempre soube agradar "quase" todos.
É a mais pura expressão da verdade quando você diz que ele não tinha nenhum pensamento com relação ao futuro, sempre procurou viver o presente (intensamente, e graças a Deus eu estive presente durante 13 anos) sem esquecer as lições do passado. Por esta razão não acumulou um bem material sequer para legar a mim ou aos seus filhos, exceto os bens imateriais e personalíssimos que possuía e que levou com ele: a honestidade, a sabedoria, a bondade, o amor e a crença de um mundo melhor... (deixou-nos a grande lição do grande homem que foi e será sempre onde quer que esteja).
Começamos a enfrentar a doença em agosto de 2008.
Ele, como sempre, lutou bravamente sem medos e com a garra de um grande lutador.
Tivemos momentos de muita angústia, mas durante estes nove meses fomos muito felizes, principalmente porque ele nunca imaginou que viesse a ter ao seu lado tantos amigos que o ajudaram até o derradeiro momento.
Ele partiu feliz.
Não quero aqui citar nomes, pois poderia me esquecer de alguém.
Quero agradecer de todo coração e dizer a estas pessoas que nunca, nem eu, nem meus filhos e Ele-Ronaldo, iremos esquecer o que todos os amigos fizeram por ele (por nós).
Obrigado a todos
Elizete Amador Alves
força, elizete.
e obrigada,
ana diniz
Ei, Ana, vamos combinar, você tem que escrever pelo menos uma vez por semana para alimentar os clientes, porque eu passo todo dia aqui para ler um texto novo.
Fala do tempo, da chuva, do clima, da buraqueira das ruas, dos filhos e netos, mas dê - mais - o ar da sua graça.
Ana Marcia
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