sexta-feira, 6 de julho de 2007

Burocracia

Leio um livro escrito por um sueco. Literatura, ambientada na Suécia de 1999. E o autor, nas palavras do herói, escreve que a burocracia está sufocando a iniciativa.

Vou ao plano de saúde pedir autorização para um exame. Não sei porque devo pedir autorização, visto que pago para ter direito a, mas vá lá. A recepcionista me diz: vá em outro endereço, este exame só pode ser autorizado por médico. Vou até o endereço indicado. Nova recepcionista, que pega a solicitação, carimba, assina e devolve: prontinho.

Abro o e-mail, e a operadora do cartão de crédito anuncia uma promoção de vendas. Cada compra no valor x, vale um cupom, etc... Só que é preciso se cadastrar. Se não cadastrar, não participa. Daí os dados de cadastro são iguais aos dados do cadastro do cartão. Não entendi nada.

Vou verificar o andamento de um processo no juizado de pequenas causas. Deu entrada em 2005. Levou dois meses para sair o primeiro despacho. A partir daí, o processo se movimenta de seis em seis meses. Como o último movimento foi em maio, faço a conta: dentro de mais um ano, estará concluído, talvez. Justiça sumária, sumaríssima, me dizem.

E me contam ainda que um promotor público concluiu, finalmente, a apuração de uma denúncia iniciada em 1994! E vai fazer essa denúncia agora! Treze anos depois! Está pronto para a mídia, pronto para o que der e vier!

O taxista me aborda para contar que agora, há necessidade de comprovar a condição de autônomo para fazer jus à isenção fiscal a que tem direito. Com três canhotos de recolhimento da Previdência Social. Sem isso, nada de isenção, mesmo que o sujeito trabalhe há vinte anos na praça. E mais: se ele for aposentado do INSS, completando a renda miserável da Previdência com o táxi, está fora da isenção.

Machado de Assis conta num dos seus livros a história de um sujeito que passou a vida esperando: pra cá e pra lá, o processo andava, e andava, e andava. E nada de sair a nomeação, que já lhe motivara um edifício de sonhos por conta do salário por vir. Prudente, o funcionário não esvaziou o bolso por antecipação, mas esvaziou a bolsa das esperanças.

Pelo jeito, quase dois séculos depois o Brasil não mudou muito. O carimbo continua a ter um lugar de destaque, exatamente onde deveria estar a pessoa. Houve uma lei, uma vez, em que a declaração do interessado, sujeito a crime de responsabilidade, supria o carimbo. Mas a lei sumiu na voragem burocrática, está em vigor, mas ninguém cumpre. Na dúvida, todos são mentirosos.

E o papel toma o lugar da iniciativa, tanto no público, como no privado. Desconfio que exista mais papel para preencher que remédio nos hospitais; e que há mais papéis que resultados no serviço público.

Consolo-me pensando que Salvador Dalí saberia interpretar isto. E que talvez os quadros de Yeronimus Bosh fossem uma antecipação desta época...

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