terça-feira, 23 de outubro de 2007

Ressaca de elefante

Diz a notícia que uma manada de elefantes tomou um pileque de cerveja, dessas feitas em casa, e endoideceu. Um deles foi coçar as costas num poste, que derrubou. Morreu eletrocutado, assim como todos os que tentaram salvá-lo. Até que pessoas conseguiram desviar o restante da manada – a notícia não diz como – e interromper a tragédia.

A notícia me lembrou o Senado. Cerveja feita em casa – mordomias, cumplicidades, safadeza miúda paga pelo Estado – e um pileque de poder. Renan coçou as costas no lugar errado – daí por diante, os elefantes perderam o controle de si mesmos.

É necessário interromper a farra da manada. Mas que a tropa de elite não se assanhe: não queremos trocar uma manada por outra. Não queremos ditadores à la Hugo Chavez (que afinal, apenas repete o que os militares fizeram: um Congresso fantoche para fazer de conta que havia democracia). Muito menos Lula ad aeternum. Pessoalmente, eu quero a coragem, a austeridade e a competência de José Serra. Ele enfrentou e venceu os grandes laboratórios multinacionais, e isso, para mim, o credencia a enfrentar quem quer que seja, se Presidente da República. Afinal, os grandes laboratórios multinacionais são a vaca sagrada do capitalismo mundial. A vitória de Serra serviu ao Brasil, e a todos os pobres do mundo. Lula, o eterno protestador de passeata, faz um enorme agá com uma política externa pelos pobres, mas não fez até agora nada por eles – e não aguentou nem meia pressão de Bush. Aliás, não aguentou nem a pressão interna dos bancos, hoje os maiores beneficiários da Previdência Social. Duvida? Pergunte à Previdência quanto cada banco recebe, por cabeça e por mês, para permitir que os miseráveis aposentados recebam seu dinheirinho no caixa eletrônico...

O país está criando, aos poucos, as condições para uma grande ressaca cívica, depois do pileque dos elefantes senatoriais. A crítica circula livre na rede, graças a Deus, porque a censura é quem circula nas tevês abertas. Censura de interesses: ah, é cliente, deixa... Que aliás é a pior censura que existe, porque não tem regras nem parâmetros. Mais dia, menos dia, a crítica vai pular fora da rede e ganhar o espaço mais importante: a consciência cidadã de quem não dá, não dá mais.

A primeira onda da ressaca apareceu na praia do PAN, na forma de uma vaia que cassou a palavra de Lula. A segunda, na praia da seleção, na forma de um gigantesco coral de palavrões destinados a Galvão Bueno e à rede Globo. O que tem a ver? Ora, ora, não me decepcionem! Com quem dorme a Vênus Platinada?

Outras ondas virão, e talvez a gente tenha de volta um pouco de decência pública. Vergonha, sabe? Aquele sentimento que faz com que a gente preze a opinião que os outros têm da gente, que faz com que a gente se comporte civilizadamente, mesmo que esteja querendo voltar para a barbárie, mesmo que esteja querendo tomar um porre de elefante. A vantagem de ter vergonha na cara é que, depois de vencer a tentação, a gente pode ter orgulho de si mesmo. Ou de seu país. Ou de seu Senado. Ou de seus aldeões, capazes de desviar a manada e salvar os elefantes e o povoado.

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