domingo, 6 de janeiro de 2008

Enorme diferença

Almir Gabriel decidiu encerrar sua vida pública, e o fez de seu jeito, reunindo grupos diferentes, em locais e momentos diferentes, para apresentar suas despedidas.

Almir Gabriel, o homem público, pertence agora à História do Brasil. Isso mesmo, do Brasil, não apenas do Pará. Nos discursos de despedida – e foram muitos – o passado mais recente foi a tônica. Natural: não existe lugar mais importante que aquele onde a gente vive, e o Almir Gabriel mudou para melhor este lugar.

Mas é preciso ter em mente que Almir Gabriel foi quem escreveu o capítulo dos direitos sociais da Constituição de 88. Boa parte desse capítulo é de sua lavra exclusiva, letra por letra. Sua atuação como relator não se limitou a aprovar textos alheios, ou remendar propostas. Foi além: ele inovou e convenceu seus pares, particularmente quanto às áreas de saúde e previdência. Se temos, no Brasil, um sistema de saúde funcionando, é porque este homem agarrou com as duas mãos a oportunidade de fazê-lo. De seu jeito – sem hora para nada mais ou ninguém, sem sequer viajar para o Pará durante quase um ano.

Na festa de promulgação da Constituição (eu estava lá e vi, e guardei os convites, para o caso de alguém duvidar) Almir Gabriel estava exausto – e era apontado no salão nobre do Senado por parlamentares de todos os matizes, como “um dos cérebros da Constituição”. Eu ouvi essa expressão admirada várias vezes, uma delas, lembro-me bem, de José Serra.

O Brasil lhe deve ainda ter impedido um capítulo de horror em sua história política. Porque este homem enfrentou o poder da ditadura militar e fechou os hospitais psiquiátricos para presos políticos. Do seu jeito: silenciosa e eficientemente. Ele ocupava então uma Secretaria no Ministério da Saúde, quando os serviços de segurança resolveram usar o Juquiri. Almir Gabriel insurgiu-se e arriscou tudo – vida, futuro, carreira – e conseguiu. Ou melhor: sua integridade, o respeito que inspirava no Brasil e no exterior nas áreas de saúde fizeram recuar o terror. Ele jamais se vangloriou disso. Sempre esteve ocupado demais com uma nova luta, para falar de suas vitórias.

Enquanto governador do Pará, Almir Gabriel contribuiu poderosamente para a consolidação da Nova República. Ele foi parte de um grupo de governadores e alguns outros políticos, essencial para os êxitos do governo Fernando Henrique. Esse grupo trabalhava muito além da consulta formal que marca o relacionamento do presidente com os governadores, ainda que do mesmo partido ou grupo, ou da simples articulação política. As trocas de telefonemas entre esses governadores e o presidente envolviam decisões estratégicas e às vezes, assuntos pequenos que poderiam desencadear conseqüências enormes, que muitas vezes nem se relacionavam ao Estado governado. Mas era o Brasil em jogo – e a responsabilidade pública falava mais alto. Trocavam competência, também, eles: assessores eram enviados de um para outro Estado ou para Brasília, para ajudar a desatar nós e solucionar problemas. Simples assim, silenciosa e eficientemente, para construir, pedra após pedra, a estabilidade econômica e a estabilidade política que nos permitem ver o futuro com otimismo.

A vida pública ostensiva de Almir Gabriel é sobejamente conhecida. Eleições perdidas e ganhas, uma integridade a toda prova e administrações que mudaram rumos e construíram os alicerces do que será um dos mais poderosos Estados brasileiros.

Almir Gabriel deixa um legado felizmente sem herdeiros visíveis, e qualquer um poderá inspirar-se em seu trabalho e exemplo para continuar provando que um bom político faz uma enorme diferença.

2 comentários:

Anônimo disse...

Querida Ana,

seu texto rende a homenagem, o reconhecimento e o carinho merecidos pelo Dr. Almir Gabriel.

Reclamo apenas da omissão da emoção, aquela que nos cercou ontem, quando ele declarou seu direito de poder ser, a partir de ontem, prioritariamente, o filho dos seus pais, o irmãos dos seus irmãos, o pai dos seus filhos, o companheiro da sua mulher, o avô dos seus netos e o amigo dos seus amigos, mas sem renunciar à esperança e à certeza de um Pará que se reconstroi a cada dia.

Reluto, como cidadã e passageira do barco que o tinha no comando, em aceitar essa despedida. Mas isto é problema meu.

Amanheci hoje com uma tristeza fininha, de quem não gosta de perdas. Mas, reconheço seu direito. E lhe desejo toda a paz e a tranquilidade junto aos seus, como justa retribuição do longo tempo em que esteve, priritariamente, junto a nós, os brasileiros do Pará.

Abraço, Ana.

Anônimo disse...

Querida Ana:
O teu lúcido texto, sobre o Almir, repõe verdades históricas que infelizmente foram esquecidas. A memória da recente história brasileira,não está sendo escrita como deveria. O teu comentário, isento de paixões, eficientemente revela a grandeza da obra política do Almir na construção de um novo Brasil após o período ditatorial. Assim como a Bia,lamento a partida do nosso amigo, entretanto, respeito a sua decisão. Tenho certeza de que mesmo distante ele continuará, pelo exemplo, a contribuir para o crescimento do nosso Pará.
Abraços do Ronaldo