Grande parte da boa imagem histórica de um político está na forma – e na hora – que ele escolheu para sair de cena. É preciso uma boa dose de humildade e autocrítica para isso. Artigo, aliás, geralmente inexistente nos aceiros de vaidade, hoje mascarados pelo marketing defensivo, que habitam o coração da maioria daqueles que, por esta ou aquela razão, sobressaem-se dos demais.
George Simenon, no seu “O Presidente” (que não é um livro policial, note-se) detem-se sobre o processo superveniente ao afastamento: a mágoa, o cultivo de rancores, a perda progressiva de importância, a visão perspectiva da importância do esforço – quanto mais o tempo passa, menos importante se torna a crise pontual -, a contabilidade das perdas pessoais e, finalmente, a constatação de que os documentos escondidos, para defesa pessoal ou para o ataque a terceiros já não significam nada. O anônimo presidente criado pelo escritor lança-os ao fogo e se entrega à morte. Acabou.
Não posso deixar de pensar em outro livro, “Porque almocei meu pai”, de Roy Lewis, sociólogo militante e literato bissexto. Lewis reflete sobre o canibalismo do poder, no início do tempo humano. E juntá-los a um terceiro: “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, um livro extraordinário sobre nós, os brasileiros.
Em trinta anos no jornalismo testemunhei quedas e afastamentos de vários todo-poderosos circunstanciais. Raros conseguiram ultrapassar o limiar da porta de saída com tranquilidade. Estes geralmente souberam a hora de cair fora, interpretaram corretamente os indicadores para ceder a vez. Alguns preocuparam-se em deixar marcas: seu nome inscrito aqui e ali, numa rua, num bairro, num edifício, num livro. Outros postaram-se no centro do mundo e de lá não saíram, falando de si mesmos e suas realizações a todos e qualquer um, sem perceber que, com isso, tornavam o círculo de ouvintes cada vez menor. Outros ainda debruçaram-se sobre suas memórias, esquecidos do basilar princípio do jornalismo: old news, no news. Nada mais chato que a política passada – quem duvidar, que leia “O assassinato do general Pinheiro Machado”, livro que consiste na sessão de júri para julgar o assassino, e que foi publicado pelo furor que o julgamento causou, na época. Mesmo agora, em que a internet estabeleceu uma nova temporalidade para a notícia, em quatro dias ela se esgota.
A maioria se entregou ao “meu tempo” e ao desafeto. E, nessa maioria, extremados tornaram objetivo de vida pequenas vinganças, que, em alguns, chega a enxovalhar a própria biografia.
Tive um colega de jornal, o Luiz Paulo Freitas, dono de uma curiosidade insaciável e de uma memória do mesmo porte, que não perdia de vista os caídos, e nos informava sobre eles. Quase sempre na frase tinha um “coitado!” – e com essa palavra ele definia o sofrimento do apeado com a saída.
Havia quem não fosse “coitado!” – os que decidiram fazer outra coisa, viraram a página, dedicaram-se ao que lhes era possível com alegria e felicidade, encontraram seu lugar. Como Fernando Henrique, por exemplo. Sabem o que ele faz, hoje? Continua perseguindo o sonho da coalizão da América Latina. Ao lado de quatro outros ex-presidentes (entre eles Oscar Arias, Nobel da Paz) promove encontros, reuniões e debates em busca da paz continental. Esses cinco homens souberam reconhecer seus limites e sua importância. A porta de saída serviu-lhes de porta de entrada para outro espaço, onde mantém sua contribuição.
Comparando-se a Sarney, que se tornou um títere embalsamado em vida...
PS - Eli, mande-me seu e-mail!
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10 comentários:
Ana,
A memória do nosso amigo Zing era tão prodigiosa, inquieta e farta de detalhes que era impossível não identificar, em suas notas de jornal, o destinatário de algum potin.
Grande abraço,
Euclides Farias
Verdade, Euclides. E foi uma das pessoas mais alegres que já conheci.
Belo artigo, Ana.
Bem atual.
Senti saudades daqueles bons tempos da redação do Liberal.
Você foi, e sempre será, uma mestra.
Beijo grande,
Orly Bezerra
Tens razao. Esse sujeito, que tanto mal ja fez tanto mal ao Brasil e aos estados do Para e Maranhao, nao sabe a hora de pedir o bone. O Amapa, coitado, eh a bola da vez.
Ele eh referencia quando o assunto eh corrupcao, empreguismo, e outras mazelas da politica brasileira. Como presidente so eh lembrado por ter deixado a inflacao chegar ao absurdo de 80% ... AO MES. Como senador e governador do Maranhao, so eh citado quando se verifica que apesar dos investimentos no Porto de Itaqui, ferrovia de Carajas e base de Alcantara, o estado continua o mais pobre do pais. No poder desde os anos cinquenta, a familia esta muito bem, obrigado!
No presente momento, estou olhando para outras duas pedras no tabuleiro: o Amapa, que tem uma montanha de minerio, e o Ministerio das Minas e Energia.
Os astros estao se alinhando outra vez ... por que, entao, sair agora?
Eli
temporariament no yahoo ponto com - eds2br
obrigada.
Ana
Ana
É muito, mas muito bom mesmo, encontrar texto novo no teu cantinho.
E hoje, então, quando trazes a redação e seus moradores, como o Luis Paulo, para mais perto...
um beijo
Regina Alves
é bom quando a gente lembra com prazer um período de trabalho - mesmo tão duro como era aquela redação. essas coisas valem a vida...
obrigada, regina.
Ana,
Tomara seu artigo dê aquele empurrãozinho para os "indecisos" que ainda teimar em permanecer politicando, mesmo com uma bruta porta escancarada e com um letreiro garrafal em neon piscando: SAÍDA, POR AQUI...
Beijo grande
Edna Frazão
edna, que bom saber de ti!
abração!
ana
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