segunda-feira, 17 de junho de 2013

Macaquinhos no cipó...

Saiu em todas as mídias:
Doze países africanos vão ter as suas dívidas, no valor total de 897,7 milhões de dólares (cerca de 1,9 bilhão de reais) perdoadas ou renegociadas pelo Brasil. Seis destes países estão na lista dos dez com maior crescimento econômico registrado nos últimos anos em todo o mundo.
Antes que combativos companheiros se emocionem com a hipótese de o Brasil estar ajudando os países pobres da África a saírem do buraco negro em que se meteram, é bom esclarecer: o cordeiro é um lobo disfarçado. O Brasil está simplesmente repetindo com os países africanos o padrão de comportamento global. A maior parte da África é um território a ser explorado. Como diz a letra de Chico Buarque na música de Cole Porter, se macaquinhos no cipó fazem, façamos!
Mas o que? Para ter essa resposta consultei a base de dados do Index Mundi e a do Senado Federal, onde tramitam oito mensagens do Executivo apresentando as bases do que a propaganda oficial está chamando de perdão. São somente oito porque as negociações não foram concluídas, ainda, com três países dos onze anunciados: Guiné, Guiné-Bissau e Mauritânia.
Ocorre que em todos esses países há empresas brasileiras com interesses embaraçados pela dívida. Ela trava os negócios, impede as exportações e a instalação de empresas do Brasil por lá. Então a solução é a de sempre: um bocado de dinheiro público para facilitar a vida das empresas. O bom-mocismo do governo vai permitir o faturamento, principalmente, da Petrobrás, da Vale do Rio Doce e da Odebrecht, além de cacifes menores, poucos, ainda, mas com amplas possibilidades.
Tomei como referência o PIB per capita paraense, que é de 4.800 dólares, em número redondo, segundo o IBGE.
Bem próximo ao da República do Congo (Congo Brazzaville), que é de 4.600. Pois o Governo Federal decidiu reduzir a dívida desse país com o Brasil de 352,6 milhões de dólares para 68,4 milhões. E quem está na República do Congo? A Vale e a Odebrecht, esta, construindo uma hidrelétrica. E a Petrobrás está chegando lá. O subsídio indireto vai facilitar os contratos, com certeza – o dinheiro que serviria para pagar a dívida com o Brasil poderá ir para as empresas brasileiras.
A maior dívida perdoada foi justo a da República do Congo. Sua vizinha, a República Democrática do Congo (conhecida também como Congo Kinshasa ou ex-Zaire), teve bem menos complacência, apesar de ter um PIB por pessoa dos mais baixos do mundo: 400 dólares por ano (2011), o que coloca esse país no patamar da miséria. Sua dívida, de 5,8 milhões de dólares, foi reduzida para 3,3 milhões. Ali, a Vale encontra dificuldades num contrato bloqueado pelo governo (que exige a saída de um investidor associado) e é acusada de violência contra a população. Um general brasileiro está indo para lá para chefiar uma missão de paz da ONU, porque o país vive conflito sobre conflito. Dificilmente poderá pagar esses 3,3 milhões de dólares. Mas o Brasil manteve a dívida.
O perdão de 56% da dívida da República do Congo não é nem de perto o que foi concedido à Zâmbia, cujo PIB por pessoa é de 1.700 dólares anuais. Para Zâmbia, 80% da dívida foi anulada, no montante de 90,7 milhões de dólares, restando cerca de 23 milhões. Em Zâmbia está a Vale, na exploração do cobre.
Na Tanzânia está a Petrobrás. Talvez por isso a generosidade tenha sido grande com esse país, pobre, mas de economia estável, onde o PIB por pessoa é de 1.500 dólares anuais. Dos 236,9 milhões da dívida, serão pagos apenas 33,3 milhões. Um perdão de 87% da dívida. As contas da Petrobrás são altas, mesmo...
Em fevereiro deste ano a revista “Exame” publicava matéria dizendo que o Sudão estava no radar das empresas brasileiras: “Eis o que eles encontram lá: taxas de juro que aqui são um sonho, reservas de petróleo de 5 bilhões de barris — volume maior do que o da Noruega, 13º produtor mundial —, oferta de água que permite extensos projetos de lavoura irrigada e 100 milhões de hectares disponíveis para a agricultura, o dobro da área de grãos do Brasil”. Atrás do sonho estão a Andrade Gutierrez e mais uma dezena de empresas, e, novamente, a Petrobrás. Ainda se recuperando de uma guerra civil, o Sudão tem 30% da população analfabeta, embora o PIB por pessoa seja de 2.800 dólares. A desigualdade social, lá, é um abismo. Será que foi por isso que o perdão para o Sudão abrangeu 90% da dívida, caindo de 43,5 milhões de dólares para míseros 4,3 milhões? Será?
A Odebrecht está fazendo perfurações para um consórcio petrolífero no Gabão. Este país, cujo PIB anual por pessoa é de 16.400 dólares (muito maior que o do Pará) negociou apenas a liquidação antecipada da dívida, eliminando os juros que ainda viriam sobre 24 milhões de dólares. Não teve perdão. Teve desconto.
O Brasil mantém com o Senegal acordo de cooperação para defesa, que já rendeu a venda de três aviões da Embraer e operações militares conjuntas.
A Petrobrás está lá desde 2007. A Atech também. O reescalonamento da dívida de 6,9 milhões de dólares envolveu o perdão de 2,9 milhões, o que não é muito para um país que tem uma dívida externa total de 4,3 bilhões de dólares (2012) e um PIB por pessoa de 1.900 dólares anuais.
A Costa do Marfim é um país desmantelado pela guerra civil de 2011, que deixou 3 mil mortos e 50 mil desabrigados. O petróleo e o cacau sustentam a economia e respondem por um PIB por pessoa de 1.600 dólares anuais. No caso deste país, esse PIB não quer dizer muita coisa: a economia é garantida por PMCs (Military Private Companies), e vive em permanente crise. O Brasil está de olho, lá, no petróleo e na venda de armas leves. O perdão foi enorme: 86% do total da dívida, no montante de 7,7 milhões de dólares. O país deverá pagar o remanescente (1,2 milhões) de quatro vezes sem juros. Neste caso, o Brasil acompanhou o Japão, que perdoou integralmente, e o FMI, que reduziu bastante a dívida desse país.
O petróleo possível também é o motor do interesse no reescalonamento da dívida de São Tomé e Príncipe, duas ilhas com menos de 200 mil habitantes que falam português e crioulo, têm 2.300 dólares anuais de PIB por pessoa, e ficam no golfo de Guiné. O total da dívida, de 4,3 milhões de dólares, teve seu vencimento adiado, sem juros. A economia local vem crescendo, por conta do da descoberta recente de petróleo em suas águas territoriais, que se limitam com as da Guiné, onde a Vale já está, numa relação difícil.
Às vezes dá vontade de ser de um país, não de um Estado federado. Porque os Estados federados, principalmente os exportadores, como o Pará, estão sufocados. No caso paraense, a retirada do ICMS das exportações praticamente congelou a ação de governo na montagem da infraestrutura para o desenvolvimento. Há anos e anos o Pará equilibra a balança comercial brasileira e é punido por isso.
Lançamento A partir de sábado próximo, dia 22, meu livro "Eia! Avante, brasileiros!" já estará disponível. É um pequeno romance construído a partir da vivência paraense da II Guerra Mundial. Muito obrigada a quem comprou antecipadamente, me ajudando a publicá-lo.

2 comentários:

Felipe Diniz disse...

Sem maiores comentários, para ler masi sobre as cipoadas, copie e cole no browser:

http://www.nytimes.com/2012/08/08/world/americas/brazil-gains-in-reaching-out-to-africa.html?_r=1&

e

http://qz.com/88320/brazil-let-900-million-in-african-debt-slide-now-so-it-can-pump-billions-out-of-the-continent-later/

Anônimo disse...

Lei kandir é bom para Sao Paulo, mas ruim para MG e PA. Por isso, tenho ódio quando escuto paulista se gabando de ser o motor da economia brasileira. Também, à custa do sacrificio de outros estados é bo,. Em tempo: nunca esqueci que a lei kandir foi uma herança do governo almir gabriel-FHC, seguidos pelos demais governos