segunda-feira, 15 de julho de 2013

Os médicos estão devendo

Antes de mais nada, quero esclarecer que sou contra essa história de contratar profissionais estrangeiros sem mais, nem menos, como se eles fossem resolver a assistência nos rincões obscuros da pátria amada, Brasil. Primeiro porque eu não acredito que eles vão se submeter a atender só com a cara e a coragem; segundo por uma questão de reciprocidade: os portugueses detonaram nossos dentistas, os espanhóis devolveram nossos turistas, os norte-americanos obrigam nossos profissionais a voltar para os bancos de escola, e por aí afora. Porque nós vamos abrir as portas assim? Quanto aos cubanos é vergonhoso que o governo de Cuba alugue mão de obra médica, igual a qualquer empresa de terceirização. Além disso, eu não acredito que um médico formado em Cuba seja melhor que um formado no Brasil.
Mas os médicos estão devendo. E a conta é alta. A fieira de reclamações que vai a seguir não é só minha – aliás, a minha parte é pequena nesse latifúndio. É o que ouço e o que vejo acontecer. E nem são as mais graves, apenas as mais comuns.
Horários: médicos se comportam no consultório como os donos do tempo. Marcam a mesma hora para todo mundo e acrescentam “por ordem de chegada”. Você passa no mínimo uma hora esperando o médico para uma consulta que raramente ultrapassa os trinta minutos. Eles alegam os horários corridos – mas se esquecem que os pacientes deles também têm horários, a maioria tem patrões exigentes e família para cuidar. Eles alegam a desistência do paciente para não marcar hora. Quando marcam, atendem com hora de atraso. De vez em quando não aparecem: quer no SUS, quer no plano de saúde, é comum o cliente voltar da porta. Essa irritação é continuada, pague você ou não a consulta. E não conheço nenhum médico que dê atenção a isso.
Atenção: a medicina pode ser de massa, mas a pessoa do paciente não é. Ouvi uma vez um médico comentar que poderia fazer uma consulta de rotina em cinco minutos. E eu acredito, porque já vivi uma consulta assim: o médico sequer levanta a cabeça para olhar o paciente; lê o resultado do exame, escreve a receita, e, sem uma palavra (nem mesmo bom dia) despacha o infeliz que paga a duras penas o seu plano ou que depende do SUS. Exames mal feitos, diagnósticos superficiais e frequentemente errados (posso contar uma ruma de casos que ouvi) e nenhuma disponibilidade para uma orientação relativa ao andamento do caso. Isto é agravado pelo fato de não se conseguir uma consulta imediata quando necessário. E que não me venham com explicações furadas: a grande maioria dos médicos não usa o cadastro de pacientes para acompanhá-los. Também não avisa as suas leoas de chácara que o paciente fulano tem que voltar em dois ou três dias. O resultado, muitas vezes, é terrível.
Excesso de pacientes: tanto no atendimento público como no privado, os médicos se entopem de pacientes. Já vi agenda de médico com cerca de 40 consultas marcadas num turno de 14h a 19h. O serviço público pode perfeitamente controlar a quantidade de pacientes por médico, fora das emergências – mas os médicos que gerenciam esses serviços não fazem isso. Quanto ao particular, só depende do médico receber ou não mais pacientes do que pode. Eu conheço alguns poucos que limitam sua clientela: são os melhores, com certeza, porque têm tempo para o paciente.
Gestão de serviços: os médicos são cuidadosos e criteriosos, com toda razão, em defender suas prerrogativas profissionais. Mas eu me pergunto: porque tanto médico se mete a administrar? Porque eles têm tanta dificuldade para respeitar a profissão dos outros? Um dia destes um poderoso conselho de medicina declarou que o problema do SUS é de gestão. Eu concordo, incluo nisso os planos de saúde – só que acrescento: são médicos que gerenciam o SUS e os planos. O desvio profissional faz com que eles não tenham paciência com as ferramentas de planejamento, com as soluções administrativas, com os cálculos de microeconomia e epidemiologia. Teriam que ser polivalentes para conseguir bons resultados numa praia alheia. Mas não entregam a praia. Vai daí que, tanto na área pública como na privada, há desperdício, inabilidade, burocracia em excesso e complicações sem conta, hospitais ruins e ambulatórios péssimos. E o pior de tudo: lentidão, que agrava os casos simples e complica os difíceis.
Isolamento: os médicos, em sua grande maioria, trabalham sozinhos. Raramente um médico indica um colega que possa atender em sua ausência, curta ou prolongada. No setor público isto significa que o paciente vai ficar sem atendimento. No setor privado, desorientação, com resultados às vezes desastrosos em caso de emergências. Muitos profissionais de outras áreas têm esse hábito de referenciar um colega. Mas os médicos simplesmente deixam o paciente às feras.
Volto a dizer que dou todo apoio à posição assumida pelos médicos com essa maluquice do governo federal de chamar estrangeiros a torto e a direito. Mas que eles precisam fazer um exame de consciência e mudar comportamentos, ah, sim, precisam.

10 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela exposição. Excelente as informações. Verídicas em nosso dia-a-dia e que sobra para nós usuários, infelizmente. É preciso que aconteça uma revolução na saúde, e que seja urgente. Caso contrário estaremos perdidos.

Angel disse...

Otimo. Faltou comentar que a maioria das faculdades de medicina sao públicas e é o curso mais caro , o que sugere que todo este dinheiro publico investido neste profissional deve retornar a sociedade. Além disto ganham bem. A UFPA tem um orçamento de 900 milhões, mais que a metade do orçamento de Belém.

Angel disse...

Otimo. Faltou comentar que a maioria das faculdades de medicina sao públicas e é o curso mais caro , o que sugere que todo este dinheiro publico investido neste profissional deve retornar a sociedade. Além disto ganham bem. A UFPA tem um orçamento de 900 milhões, mais que a metade do orçamento de Belém.

Anônimo disse...

O mais grave ainda não foi dito, os médicos, trabalham apenas 20 horas por semana e mais, nos Postos de atendimento do Interior, atendem apenas 16 pacientes e, pasmem, em apenas 2 horas por dia de segunda a sexta-feira já fizeram todo o seu trabalho, ou seja 10 horas por semana e sabem o quanto ganha por mês esse médico, apenas R$35.000,00,por 80 horas de trabalho e ninguém reclama, nem mesmo quem tem obrigação de ofício de fazê-lo. Todos se calam e, quando se cogita de alguma medida que venha a contrariar tantos privilégios, todos abrem os espaços da mídia para criticar aqueles que ousam levantar a voz sobre os absurdos abusos que a sociedade brasileira vem sofrendo calada.
Em que lugar acontece isto?
Em Parauapebas, em Juruti, em Óbidos, em Oriximiná, em Terra Santa e em outros tantos rincões do interior do nosso Pará.
Não admira que o Pará esteja entre os últimos Estados do País na questão saúde.
Parabéns por tocar nesse assunto que a imprensa brasileira considera, pelo seu silêncio, inquestionável.

Anônimo disse...

A Jornada de trabalho do Médico.
A Lei nº 9.436/1997 estabelece que a jornada de trabalho de 4 horas diárias dos servidores ocupantes de cargos efetivos integrantes das categorias funcionais de médico, médico de saúde pública, médico do trabalho e médico veterinário, de qualquer órgão da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, corresponde aos
Segundo o art. 8º da Lei nº 3.999/1961 a duração normal do trabalho dos médicos, salvo acordo escrito, será de, no mínimo, 2 horas e, no máximo, 4 horas diárias.
"Médico e Afins Salário Mínimo Profissional e Jornada - Horas extras - Médico: tendo em vista os termos da Lei nº 3.999/61, os médicos que trabalham mais de quatro horas por dia têm direito ao pagamento das horas extras como excedentes." (TRT 2ª R. - Ac. 02950259590 - 4ª Turma - Rel. Juiz José de Ribamar da Costa - DOESP 14. 07. 1995
Que maravilha de "privilégio" será que as outras categorias são inferiores?
E o Brasil todo se cala ante essa injustiça, principalmente para com os mais pobres, que não podem pagar por uma consulta particular.
Os Deputados e Senadores também estão "DEVENDO" Precisamos acabar com esse indecente privilégio.
Parabéns pela iniciativa já era hora de alguém levantar essa "BANDEIRA"

Anônimo disse...

Um privilégio que precisa acabar. Na Santa Casa há médicos que entram passam o dedo no ponto biométrico, pegam seus carrões que deixam estacionados fora dos muros do hospital e se mandam para seus consultórios particulares. Quatro horas mais tarde, retornam à Santa Casa repassam o dedo no ponto e vão para outro local de trabalho. E, assim vão vivendo as benesses à custa de nossos impostos. Isso o CRm e o sindicato médico não enxergam. Agora eu desafio se o policial ou bancário fizer uma dessas ele é logo defenestrado do serviço.Médico, uma casta que existe na sociedade brasileira e que precisa de um basta. Parabéns pelo poster!!

Anônimo disse...

Acho que os anonimos aqui e a bloger precisao se informar adequadamente. Sou medico e nao conheco essa realidade de posta de saúde pagando 35 mil. Gostaria de saber onde é isso. Interessante que nao vejo tanta insatisfacao com o judiciario que ganha de fato isso, fora os por "fora ", tem 2 férias por ano/ recesso do final de ano, é moroso e corrupto ao extremo ( todo mundo já sentiu na pele ou constatou isso ) e tem carreira de cargos e salários.
Médicos ruins existem muitos , ninguem dúvida, mas nao sao mais , proporcionalmente, do que os outros profissionias.
Se quiserem posso escrever sobre a parcialidade e a falta de preparo de jornalistas.

Anônimo disse...

Um medico anonimo mostra aqui sua indignaçao pelos comentarios aqui expostos, talvez o anonimato seja por vergonha de assumir a defesa do indefensavel. Trabalhar 10 horas por semana ou seja 40 horas por mes,ganhando R$30.000,00 por mes, enquanto todos os trabalhadores tem que ralar 44 horas por semana e ganhar um salario minimo de R$ 675,00 eh um garimpo a custa do povo brasileiro. Va criar vergonha!

Anônimo disse...

Interessante a opinião desse médico anônimo, talvez produto dessa nova safra de profissionais, cuja falta de intimidade com a língua portuguesa traga certa dificuldade para se expressar, mas esqueçamos o pequeno detalhe e voltemos à sua opinião sobre os privilégios da sua casta, justificando-os através das vantagens pecuniárias auferidas pelo poder judiciário, o que, certamente, nem de longe, chegam aos valores estratosféricos aqui citados: R$77.000,00 por 80 horas de trabalho por mês, o que significa R$375,00 por hora chegando ate R$700,00 por hora.
Honestamente, os Poderes da República e a grande Imprensa, são coniventes com o Corporativismo de algumas Profissões, que se constituem verdadeiras "castas de privilegiados" e que imperam neste País desde o Brasil Colônia, o que faz aumentar, cada vez mais, o abismo social entre as classes no nosso País. Para uns, o "Paraízo" das Clínicas de alto luxo e, para os outros, o "inferno" dos corredores das enfermarias. Parabéns, Ana Diniz!

Jornalista disse...

Doutor anônimo:
Terei muito prazer de publicar neste espaço os seus escritos sobre a parcialidade e a falta de preparo de jornalistas, desde que o senhor os assine.