segunda-feira, 3 de março de 2014

O grande desfile


Foi o maior desfile de todos os tempos por aqui: na BR-316, saída de Belém. Centenas de carros paralisados pela burrice antológica de frear os carros por meio de obstáculos nas rodovias: semáforos, lombadas, radares e etc. O dia inteiro dentro de um carro, para quem só tem três para se divertir ou descansar – é demais.

Havia carrinhos, carrões. Verdadeiras alegorias rumo à praia: tem gente que leva até geladeira na picape. Gente mascarada com óculos escuros, gente escondida em carros também escuros. Todas as cores do arco-íris brilhando na avenida, digo, rodovia. Um repique de buzinas. Êta, carnaval pai d’égua!

A responsabilidade, ou culpa, não é só das autoridades. Elas respondem apenas pela burrice de considerar uma estrada como uma rua qualquer, da mesma forma como colocaram uma arara fiscalizando 60 km/h de velocidade máxima no acesso ao aeroporto – inclusive de madrugada, vejam só! Mas Belém tem um trânsito tenebroso porque o desrespeito é um hábito arraigado. Grande quantidade de pessoas não considera a disciplina do trânsito como um marco civil, alguma coisa que preserva a vida, o direito de ir e vir, a convivência harmoniosa entre cidadãos. Elas a encaram como um estorvo a ser retirado do cotidiano. E cobram fiscalização – mas para os outros.

Há algumas lideranças nessa ideologia, se podemos chamar assim. Em primeiríssimo lugar, os condutores de ônibus. Não há neles qualquer resquício, ideia que seja, de manter-se dentro, já não diria da lei, mas da civilidade. Eles avançam sinal, fecham cruzamentos, apanham e largam passageiros no meio da rua, mudam o percurso sem aviso prévio, bloqueiam ruas inteiras, realizam pegas, ultrapassam pelo acostamento e, sempre que possível, avançam sobre os carros menores para tirá-los da frente. Desculpas? Várias: o horário, o engarrafamento, o alagamento... Mas são só desculpas; a verdade é que nada acontece com eles. As empresas não punem e sequer registram as queixas dos usuários. Com isso, eles se tornaram os profissionais da bagunça.

Logo em seguida aparecem os motoloucos. Compõem um grupo de motociclistas, talvez nem a maioria, mas extremamente significativo. Eles ignoram solenemente o fato de que parachoque de moto é cabeça de motoqueiro e o paralamas, suas pernas. Vivem em alto risco, inclusive servindo de condutores para bandidos. Consideram-se espertíssimos ao cometer todas as imprudências – e infrações – que podem. Muitos deles terminam no Renato Chaves. Mas isto não está sendo lição suficiente: eles conseguem ocupar alas inteiras do Hospital Metropolitano, cheios de ferragens, de onde sairão com sequelas para toda a vida.

Em terceiro lugar vêm os pedestres. Sim, os pedestres. Boa parte deles só usa as faixas de segurança se elas estiverem bem no caminho: se houver necessidade de andar dez passos para o lado e esperar, pode estar certo de que eles não farão isso. Eles se aglomeram nas pistas, alegando que perderão o ônibus se ficarem nas paradas; descem da calçada e andam pelo leito da rua, alegando que há perigo de assalto perto das casas ou que as árvores atrapalham.

E, finalmente, aqueles que dirigem achando que são imunes a tudo: à lei, ao fiscal do trânsito e até ao acidente. Esses donos da carteira, hábeis na carteirada e no suborno, geralmente são péssimos motoristas – afinal de contas, porque deveriam aprender, não é mesmo? A solução deles é outra... – e costumam usar a fila dupla e o pisca alerta com a naturalidade de quem tem a rua inteira para si. Dirigem perigosamente, porque dirigem mal; e conseguem transformar avenidas em caminhos estreitos de via-sacra.

Todos esses tipos participaram do maior desfile de todos os tempos em Belém. Sem nem pressentir que dançavam um baile de incompetência e deseducação. Afinal de contas, desfiles como esse do carnaval acontecem o ano inteiro, quase todos os dias, em Belém.

5 comentários:

Benedito Carvalho disse...

Ana, a sua narrativa sobre o trânsito em Belém serve para todas as cidades. Aqui em Manaus é a mesma coisa. Uma verdadeira guerra, uma barbárie que enfrentamos no cotidiano. Entrei uma fez num hospital público daqui. Fiquei impressionado com o número de jovens acidentados. Eram motoqueiros, muitos inutilizados para o resto da vida. No "baile da incompetência" nesses tempos sombrios que em que vivemos, temos um modelo chamado de "desenvolvimento" que entupiu as vias de carros. Criou, ao mesmo tempo, uma classe média deslumbrada sem o menor senso do que seja coisa pública. É no meio dessa tragédia que sobrevivemos, ainda.

Emerson Pardo disse...

E você esqueceu daqueles que andam pela contramão apenas para não ter que dar a volta no quarteirão pra chegar em casa.

Anônimo disse...

Dirigir em Belém deixou de ser um direito de ir-e-vir e virou um 'dever' de chegar, tantas são as adversidades que se encontram em qualquer percurso.

E o 'cabeçudo' entrou com tudo na indústria da multa e colocará mais 60 araras na cidade.

Mais adversidades.

Anônimo disse...

Prezada Jornalista,
Parabéns pela clareza do tema, só não entendeu quem é burro e/ou incompetente para administrar o caótico trânsito de Belém e região metropolitana.
Já andei por quase todo o Brasil, e só aqui os despreparados instalam semáforos em BR, instalam várias "araras" com velocidade de 40 KM e constroem diversos e intermináveis retornos, além de centenas de lombadas. Nuca se viu também tantas paradas de ônibus em beira BR como aqui, sei que o povo necessita de tal transporte público (de péssima qualidade inclusive), mas colocar indiscriminadamente diversas paradas na beira da pista da BR é colocar a população sob constante risco de atropelamento. O terminal de Ananindeua é um chiqueiro na beira da pista, sem nenhum respeito com o usuário.
Não dá mais para aguentar tanta incompetência dessas autoridades porcalhonas.
O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o DNIT para que este retirasse as lombadas eletrônicas. No que deu? Deu em nada! Aqui ninguém respeita ninguém.
Agora a tal SEMOB é a nova fábrica de multas para a atual administração da cidade de Belém. O Zenaldo, chamado agora de "Zenada" ou "Zeraldo", porque nada fez até o momento, agradece a nova "Badini" conhecida como Maíza Tobias e, aos otários que somos todos nós que pagamos a conta.
Fica aqui o apoio ao tema levantado pelo blog e o protesto pelas mazelas na administração do trânsito. Ah! fica também a desesperança.

Anônimo disse...

Tudo o que foi dito pela jornalista é a mais pura verdade. Estamos numa situação que a gestão pública de péssima qualidade que administra o trânsito de Belém e arredores, reflete-se nos usuários que estão no "salve-se quem puder". O Zenaldo está repetindo o que o Dudu fez, talvez porque os dois tenham um cabeção (dois conhecidos bonecos de Olinda) cabeça grande para cultivar piolho e não consegue pensar em soluções para amenizar essa caótica situação da saída e entrada de Belém. O Dudu já passou, mas o Zenada, nada até agora nada.