Na pauta, as alterações da lei Rouanet.
Como escritora que sou, tenho que saber e opinar. De cara, informo que tenho idéias próprias – talvez até peculiares – sobre o que deve ser o papel do Estado quanto à arte e cultura. Não concordo com subsídios. Não concordo com patrocínios. Defendo a manutenção, pelo Estado, dos espaços, das escolas, das experiências e de uma estreita faixa de manifestações que, pelo longuíssimo prazo que exigem para se realizar, teriam sua existência comprometida pelas leis do mercado. Também informo que jamais participei de editais da lei Rouanet ou de quaisquer outros, nem também nunca tive meus livros patrocinados pelo Estado. Eu vou à luta, como acho que todos devem ir. Vou à editora, vou à prateleira da livraria.
Assim, tenho cá minhas divergências com a lei Rouanet. Mas até agora, foi a única coisa razoável que se vez em favor das manifestações artísticas deste país. Funcionou, até agora, e funciona como é possível numa economia de montanha russa como é a do Brasil, e responde, hoje, por milhares e milhares de expressões artísticas, de Norte a Sul.
Agora se faz a segunda tentativa para distorcer e rebentar com a lei, sem colocar coisa que valha no lugar.
A primeira tentativa veio da bancada confessional no Congresso – aquela comprometida com igrejas. Queriam permitir que as igrejas tivessem acesso aos incentivos, enquanto igrejas. Eu não tenho nada contra um coral, um conjunto, um organista, competirem num edital da Rouanet – mas tenho contra as igrejas em si. A finalidade delas não é arte – a arte é uma ferramenta para elas. Assim, estão fora.
A segunda tentativa vem do ministério da Cultura, agora. Numa postura que trai o espírito ditatorial, ou imperial, que rege este governo. A lógica é: “Eu sou o dono do dinheiro; tenho o direito de mexer onde quiser, dizer o que e quem vai gastar, e ainda ficar com a criação.”
Assim, inventa um “critério subjetivo” para aprovar os projetos. Qualquer adolescente sabe que, quando um professor inventa um “critério subjetivo” num teste de redação, é melhor escrever o que o professor acha certo. É melhor saber primeiro o que ele pensa sobre o assunto. Em arte, a existência de “critério subjetivo” no Estado significa aparelhamento. Meio século de “critério subjetivo” transformaram o esplendor artístico da Rússia numa caricatura da qual ela vai levar outros cinquenta anos para sair. No Brasil recente, o “critério subjetivo” fez com que um censor anônimo tivesse o desplante de “corrigir” Chico Buarque – é só entrar no site do Arquivo Nacional, está lá, para todo mundo ver. Ou seja, “critério subjetivo” é censura. De novo!
Depois, preconiza a quebra do direito autoral – “porque o dinheiro é do Estado”. Só que o dinheiro não é do Estado, o governo não é o dono do dinheiro. O dinheiro é público. É social. Cientistas e pesquisadores tiveram, já, uma tremenda queda de braço com o Estado por causa disso. Eles resolveram o problema – eles têm direitos sobre as patentes. Simplesmente porque o Estado gerencia o dinheiro público, mas o cérebro que gerou o invento, a descoberta, a arte, não é. E um cientista, um artista, é tão povo como todos os demais. Vive do que faz, e, tal como os jogadores de futebol, são muito poucos os ricos nesse setor.
Juntando o “critério subjetivo” com a quebra do direito autoral, o que se tem é uma intervenção extremamente ampla, cuja consequência só poderá ser uma: uma crise sem precedentes no setor cultura.
Assim, não dá.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário