Rubão era um pilar da sociedade.
Não tinha medo de careta. Nem do que está atrás da careta.
Poucos conheciam o seu sorriso.
Cuidava-se: caminhadas pela manhã, trabalho de tarde. Ooops, esqueci de dizer que Rubão não trabalhava como todo mundo, de sete às sete. Era um pilar social: começava por volta das dez; almoçava em casa, visto que dispunha de carro e motorista (este, que não era pilar, ia de sete às sete, oito, nove, dez...)
Tinha seus rolos privados e discretos, como todo pilar que se preze – é preciso manter a imagem, claro.
Rubão atendia grandes e pequenos.
Não se pode dizer que fizesse diferença entre eles, por serem grandes ou pequenos; a diferença era a sua permanente ansiedade de demonstrar que não fazia diferença. Isto o levava, às vezes, a procurar chifre em cabeça de cavalo, dentes em minhocas e os olhos do Floquinho, o cachorro do Cebolinha. À falta dos chifres, dentes e olhos procurados, criava algumas protuberâncias para se justificar. E todos o julgavam com leniência – afinal, eram pequenos excessos. De zelo, é, de zelo. Pronto.
Porque ele, mesmo, não se justificava. Ele era um pilar.
Muitos o consideravam um exemplo. Mães apontavam para os filhos: olha o Rubão! – para provocar-lhes vergonha de seu comportamento.
Ele se considerava modesto, mas o incenso social o comprazia. E, com o tempo, ai de quem a ele se contrapusesse!
Rubão estremecia, trincava os dentes, punha-se a catar fumaças de maus erros. Se conseguia uma chama que fosse dessa fumaça, fazia uma fogueira, onde assava incréus e desafetos. Afinal, era um pilar, sua responsabilidade ia além, muito além daquela de seus pares. E, ainda assim, era julgado com leniência e sorrisos de compreensão.
Só que os sorrisos de compreensão ficavam cada vez mais distantes dele, porque as pessoas se afastavam. Ele nem percebia: ocupado em, diariamente, caminhar pela manhã e trabalhar à tarde, polindo o pilar, pouco via ou ouvia do que lhe ia em torno.
No seu entorno, havia uma gralha.
Gralhas grasnam. Aquela grasnava muito.
Gralhas são espertas. Costumam recolher todos os objetos brilhantes que vêem, para por nos seus ninhos. Elas gostam de ninhos resplandescentes. Aquela era espertíssima.
Gralhas bicam. Seus bicos cortam pinhões e castanhas. Aquela bicava com vontade.
O pilar estava muito alto, era visível à distância, já. A gralha, voejando em torno, deitava-lhe sombras, conforme a posição do sol. Assim achava Rubão, que até gostava da gralha – mas aquela sombra, aquele grasnido, aquela mania de brilhos foi-se tornando insuportável. Afinal, era um pilar, oras!
Naquele dia, disse Rubão à gralha: porque não te calas?
A gralha não se calou. Aí, ele foi mais real que o rei: fez com que se calasse, ora se fez!
Mas o pilar estremeceu de ponta a ponta, definitivamente fissurado.
Alguns amigos resgataram antigos favores, para protegê-lo.
Organizaram uma parede lógica, que nem na música do Chico.
Comentavam: Aiêee, Rubão! Provou que é bão!
Os sorrisos lenientes ficaram amarelos em torno do pilar rachado.
E esta jornalista diz:
Viva o Rubinho!
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