sábado, 3 de julho de 2010

Pós-Copa

De repente, o Brasil perdeu, e não havia revolta.
Alguma tristeza, sim, mas nem de longe comparada às outras vezes. A torcida recolheu suas bandeiras, fantasias, e no dia seguinte se consolou com a goleada alemã. Rápido, fácil, como se tivesse consciência de... de que?
Algo mudou.
Talvez porque essa seleção que foi para a África seja de brasileiros, mas não seja brasileira. São jogadores reconhecidos; triunfaram no primeiro mundo; alguns já têm dupla nacionalidade. São jogadores até amados e admirados pelas torcidas. Mas estão longe demais, tanto no quotidiano dos jogos, como no nível de renda, do comum dos jogadores brasileiros, para serem identificados com o país. Ou com a torcida, que só muito raramente os vê jogar, e pela televisão, e defendendo outras cores que não as do Flamengo, Coríntians, Vasco, Palmeiras...
O clamor para a convocação de Ganso tem a ver com essa proximidade, assim como a torcida pelo Uruguai – na verdade, pelo bem próximo Loco Abreu. Jogam aqui, conhecemos seus altos e baixos, do que é capaz e do que não é.
Mas há algo mais.
Federações, confederações, técnicos, cartolas e jogadores mostraram-se perfeitamente conformados com duas aberrações: uma bola torta, defeituosa, inadequada para o futebol, e um péssimo nível de arbitragem. Todas as seleções foram prejudicadas, em algum momento, por essa bola. Pelo menos três seleções foram diretamente prejudicadas pela arbitragem ruim. Mas a Adidas anuncia recorde de vendas da Jabulani, no melhor estilo “reclamem, mas me comprem, lixe-se o mundo todo”, e a FIFA explica, com o maior cinismo, que os árbritros trazidos de locais onde o futebol ainda é uma promessa são parte de um plano para disseminar o esporte...
Que, no Brasil, é cada vez menos esporte para ser exporte.
Por mera curiosidade, fui xeretar o que é direito federativo e direito econômico nos contratos de jogadores. Concluí que jogador é quase um servo moderno: da feita que assina um contrato, passa a ser uma pessoa a ser explorada. Como um barranco de garimpo: se der ouro, ganha o garimpeiro, o dono do barranco e todas as pessoas que participam dos direitos. Se não der, fica o vínculo até o final do prazo – encostado ali.
Garotos do sub-sub-sub, apenas apresentam algum talento, já são comprometidos, pelos clubes, com grupos econômicos. Então não é de se espantar quando aparece numa grande seleção um Cacau, um Túlio Tanaka, que passou por clubes brasileiros e de quem nunca se ouviu falar. Eles não puderam nem se apresentar ao torcedor...
Talvez que isso seja a forma moderna de gerenciar o esporte, talvez.
Mas o resultado é uma seleção de brasileiros, em vez de uma seleção brasileira.
Eu acredito sinceramente que esses jogadores, ao vestir a camisa amarela, se emocionem em pensar no Brasil. Mas esse sentimento é misturado com toda a expectativa financeira que vem junto com a camisa vitoriosa. É mau, isso? Creio que não, mas seria melhor que essa expectativa não estivesse em final de carreira, ou estivesse em pessoas que estão em vias de se projetar para o mundo.
Isso não aconteceu desta vez. Possivelmente é uma das razões para o rápido conformismo da torcida, o resfriamento rápido de um entusiasmo que sequer chegou a encher o espaço frente ao telão do Copacabana.
Pressinto que o torcedor gostaria mais de uma seleção cheia de altos e baixos, mas com a maioria dos jogadores saídos do Campeonato Brasileiro do que uma cheia de vitoriosos da Liga Européia.
E, com certeza, jogando com a bola adequada e árbitros competentes.

7 comentários:

Christian Costa disse...

Oi, Ana.
Quantos aspectos interessantes para reflexões e debates, desde o porque de adotarem um produto de qualidade duvidosa (a bola) até o aceite de serviços de profissionais com nível de competência que deixa a desejar (dos árbitros), em um evento desta magnitude.
Porém, o mais sério me parece ser a questão da "seleção de brasileiros" tão pouco identificados com a torcida brasileira.
Certamente, esta não é uma "uma forma moderna de gerenciar o esporte", mas a conseqüência direta da má gestão do futebol brasileiro, dito profissional mas ainda administrado por amadores, alguns até de idoneidade duvidosa, associada com a realidade da economia nacional em relação à Europa
Também, neste momento de "ressaca da derrota", não podemos desconsiderar o contágio nocivo de determinados segmentos da imprensa esportiva, com interesses que extrapolam ao jornalismo responsável.
Mas, como foi dito logo após o fracasso da equipe, "ISTO ERA APENAS UM JOGO DE FUTEBOL" ...
Meu abraço,
Christian.

Jornalista disse...

Obrigada, Christian,
e você tem razão. A gestão do futebol nacional é péssima. A local, então...
Combinada com o jornalismo contaminado pela corrupção, fica terrível...
Mas seria bom se fosse só um jogo de futebol - há milhares de pequenos empresários que investiram confiantes e se deram mal.
Abraço pra você
Ana

Robson Almeida disse...

Ana,
Parabéns pelo texto, tão bem abrangido e abrangente, em todos os aspectos.
Procurava eu uma forma de escrever o que senti nesta copa e você o fez por mim. Obrigado.
Mas, eu sou mais realista e não acredito em árbitros que ajudarão a disseminar o esporte em locais onde não o há. O que acredito, e isso é real quando se trata de envolvimento de muito dinheiro, como é o futebol, é que há um direcionamento dos resultados, proposital. Assim como há no futebol brasileiro.
Acho eu que é muita responsabilidade pra uma pessoa só, preparada - embora se torne despreparada pelas ordens recebidas das federações quanto aos resultados do jogos -, em ter uma nação, aliás, duas nações, nas mãos e, pimba, por um "erro", levar todo um trabalho, todo um gasto, todo um emocional, pra o ralo, como foi no gol de mão do Henry, que levou a França à copa. Há sim, acredite, direcionamentos, e muito, em todo o País, todo lugar onde haja futebol, onde haja Fifa.
Abraços pra ti, fica bem.
Meu blog está um tempo sem atualização, por falta de inspiração, mas já já eu estarei postando coisas boas e novas.
Até

Jornalista disse...

Obrigada, Robson.
Abraço.

italomacola disse...

Ana, estimada Ana.

Pra quem não sabe, a Ana foi editora de esportes na áurea época (toda a década de 70) da Provincia nos DA, e eu, honrosamente, seu reporter. Fazia tudo, da cobertura dos clubes - Remo e Paissandu à Federação, amadorismo, e a cobertura, sempre inesperada, sobre o famoso e saudoso jogador Alcino. De vez em quando, chegava "ordem de prisão" e a Ana me pedia matéria de suporte sobre o jogador. Foi um grande mestre, mas Ana, estimada Ana, a bola murcha e os árbitros errantes são males similares à VAIDADE dos treinadores de futebol. Uma nação inteira perde e acaba chorando - desta vez, como vc disse, nem parece que a seleção tinha perdido - por causa do sr. Dunga que, além de levar 23 Dungas, deixando no Brasil jogadores que estavam aqui, suando com a vibração dos torcedores, ou seja, comprometidos até a alma em corresponder - e muitos, como a garotada do Santos, com talento, que nos faltou na África - prima pela vaidade, pela apresentação pessoal, mais parecia um modelo que um treinador, um intocável artista que não admite sugestões, nem sequer as aprecia com medo de serem melhores que as normas por ele adotadas. Perdemos, sim, mais uma vez para as pessoas e não para o futebol.
Como consolo: não podemos ganhar sempre!
A respeito do Robson, respeito seu comentário, mas, sinceramente, ingênuo ou não, prefiro não acreditar no direcionamento dos resultados.

Abraços,

Sérgio Noronha.

italomacola disse...

Ana,

Sérgio Noronha escreveu:

Fiz o comentário no computador do Gabinete do Deputado, onde trabalho, mas o comentário é meu, claro. Peço, inclusive, que faça o reparo.

Sérgio Noronha.

Jornalista disse...

Sérgio, que bom te ler!
Obrigada, e um abração!
Ana